2016 - BOLÍVIA
- Guga
- 24 de set. de 2016
- 12 min de leitura
Quando comecei a fazer meu roteiro para a Bolívia e comentava com as pessoas, a expressão em seus rostos era de que tinham visto o capeta... hahaha... Pesei comigo mesmo se eu não estava sendo louco de me arriscar neste momento onde a crise política era grande e a Bolívia dizia que mandaria seu exercito invadir o Brasil para ajudar a então PresidAnta. Mas como não desisto tão fácil assim lembrei que há pouco tempo tinha estado na Venezuela e Colômbia e as coisas não são tão complicadas assim. Acho que nós mesmos é que temos mania de complicar tudo que é simples. Tendo um bom planejamento e respeitando as regras da estrada, a possibilidade de problemas é mínima.
Eu e meu amigo Bibo Kaufmann saímos de Curitiba num sábado pela manhã com destino a Campo Grande. Estávamos em duas motos e a viagem seria tranquila se logo após Londrina a HD do Bibo não tivesse começado a dar sinais de problema. Perdemos umas duas horas entre telefonemas e tentativas, o que acabou nos atrasando mas não nos impediu de continuar. A moto apresentava a luz do aquecimento e da injeção eletrônica acesa, o que no manual dizia: Pare imediatamente e chame um guincho! Era sábado e domingo seria impossível de consertar. Depois de trocar idéias com diversas pessoas, resolvemos continuar a viagem até onde a moto resolvesse parar. Para nossa sorte ela não parou e fizemos toda a viagem com o único incômodo das luzes de alerta acesas.
Em Campo Grande encontramos o terceiro "elemento" da viagem. Nosso amigo Bibo Cartaxo que seguiria conosco até o final.
Campo Grande

Acordamos cedo e seguimos para Corumbá passando por um belo trecho do pantanal que liga as duas cidades. Apesar de um calor infernal, a viagem foi excelente... Não entramos em Corumbá e seguimos direto para a fronteira onde perdemos cerca de uma hora e meia numa fila apenas para um carimbo de saída do Brasil no passaporte.
Ao entrarmos no lado Boliviano, começou a burocracia. Como já tínhamos nos informado antes, sabíamos de tudo que enfrentaríamos com excessão da total falta de informação e interesse em colaborar com os viajantes.
Após carimbar nossos passaportes na entrada da Bolívia, precisávamos de um carimbo no formulário que já levamos preenchido, onde autoriza o veículo a transitar no território boliviano. É um local muito mal sinalizado que passamos sem perceber e quando nos demos conta já tínhamos andado mais de 30km da fronteira. Voltamos e após muitos pedidos de informação acabamos achando.
Não terminou por ai. Depois precisávamos ir a uma delegacia preencher outros documentos (e pagar por eles, é claro) constando todas as cidades que passaríamos, pois sem ele poderíamos ter as motos presas mesmo com o formulário de autorização do veículo emitido pela aduana. Não bastasse isso ainda teríamos que pagar uma "taxa"a cada barricada da policia no meio da estrada.
Depois de horas de enrolação, também fizemos o cambio dos reais para bolívares e seguimos em frente após termos que pedir autorização aos militares para abastecer nossas motos no primeiro posto que encontramos.
Roboré
Caímos na estrada com um início de chuva que se transformou num verdadeiro dilúvio. Como o asfalto era péssimo e os ventos ficavam cada vez mais fortes, as motos não se estabilizavam na pista derrapando constantemente. Por sorte não houve nenhum tombo.
Depois de uns 70 km paramos no acostamento para decidir se continuaríamos mais 150 km ou voltaríamos os 70 km, pois além de perigoso, devido a todos os atrasos na fronteira, pegáramos um pouco da estrada a noite. De repente vi um carro vindo no sentido contrário e comecei a acenar para que ele parasse. Por sorte parou e fui trocar uma ideia com ele sobre a estrada que teríamos pela frente. O papo foi animador e depois que ele nos falou que teríamos apenas mais uns 20 km de chuva, resolvemos tocar adiante...

Pouco mais de 10 km a chuva parou e a estrada começou a secar. Foi nesse momento que começamos a tocar um pouco mais forte para tirar o atrazo e conseguir chegar a tempo em San Jose de Chiquitos, nossa parada para aquela noite.
Já estava chegando ao final do dia e como não conseguimos andar muito depressa devido a quantidade de animais que invadiam a pista, resolvemos parar para dormir em Roboré, a cidade mais próxima em nosso caminho. Tínhamos certeza que seria uma noite difícil quando para nossa surpresa encontramos uma excelente hospedaria cuidada por uma família e que nos proporcionou aquilo que precisávamos: Boa comida, banho quente e cama confortável. Colocamos nossas roupas encharcadas penduradas no varal para pegar o vento da noite e após um simples e saboroso jantar junto com um bom papo, planejamos o dia seguinte e capotamos...
Santa Cruz de La Sierra
Saímos cedo de Roboré com as roupas ainda úmidas do dilúvio do dia anterior e seguimos em direção a Santa Cruz de la Sierra. Depois de abastecermos novamente com autorização dos militares e pagarmos bem mais caro pela gasolina, seguimos viagem - veículos com placa de fora do país têm preço diferenciado na gasolina - ... A chuva voltou mas dessa vez o asfalto estava melhor e seguimos tranquilos até Santa Cruz.
Chegamos em Santa Cruz já com o tempo completamente diferente. O sol tinha aparecido e com ele o calor de altas temperaturas. A cidade é a única na Bolívia, das que conhecemos, que se difere das demais. Ao contrário das outras que parecem grandes vilarejos (inclusive a capital La Paz) Santa Cruz parece uma cidade grande do Brasil. Grandes avenidas, comércio internacional e população muito mais bonita e esclarecida que o resto do país. Ficamos duas noites e depois de almoçarmos em um de seus mais tradicionais restaurantes experimentando um de seus pratos típicos - o ceviche de jacaré - resolvemos voltar para uma culinária mais tradicional e conhecida nas próximas refeições...
Também foi em Santa Cruz que começou nossa dificuldade nos abastecimentos. Muitos postos não querem abastecer carros estrangeiros por falta de um recibo imposto pelo governo e que sem ele podem sofrer sérias repressões. Para driblar o problema tínhamos que parar nossas motos fora do posto e ir com galões comprar a gasolina. Dessa forma é permitido. Mas a quantidade também é limitada o que nos fazia ter que ir em mais de um posto para poder encher os tanques de nossas motos. Muita ignorância e perda de tempo....
Cochabamba
De Santa Cruz a Cochabamba, mais chuva em uma estrada muito irregular, com muita selva no caminho e partes completamente sem asfalto, construídas com pedras que faziam até nossa alma tremer de tantos sacolejos...

Vencido este trecho, chegamos a Cochabamba, uma cidade muito charmosa que ainda tinha bem mais infra estrutura que as demais cidades que passaríamos. Depois dos mesmos problemas para abastecer, fomos para o hotel e apagamos...
La Paz
Acordamos pensando em mais um dia difícil, quando para nossa surpresa, encontramos uma auto estrada de pista dupla que nos levou a La Paz com muita tranquilidade até a entrada da cidade.

Aproveitamos para comprar a lâmpada do farol de minha moto que havia queimado devido a água que infiltrou no dia da tempestade que pegamos na entrada da Bolívia. Depois de mais uma sessão para abastecer, chegamos perto do centro da cidade. Parecia que estávamos no alto de uma cratera gigante e a cidade ia descendo por ela com suas casinhas iguais de material sem reboco até chegar ao meio onde se encontrava o centro da cidade -nosso ponto de chegada-. Parecia uma grande favela com alguns poucos edifícios no meio. Esta era a capital da Bolívia.

Apelidamos La Paz de cidade das vans. Incontáveis vans se empurravam por uma brecha no transito. Poucos carros e muito velhos apareciam de vez em quando. Uma loucura. Não sei como eles se entendem...
Depois de nosso gps mais uma vez ter nos colocado numa enrascada, nos colocando para descer ladeiras no meio das casas, lembrei que quando estudei o mapa físico, ví uma auto estrada rodeando a cidade para chegar até o centro. Depois de pedirmos informações conseguimos voltar algumas ladeiras, passando por dentro de um bosque e uma trilha, encontrar a auto pista. Saímos do mato por um pedaço da cerca que estava derrubada e subimos para a estrada rapidamente para não sermos atropelados pelos carros que vinham em alta velocidade.
Conseguimos chegar a salvo em nosso hotel e após uma merecida boa refeição e ajustes nas motos, fomos descansar para enfrentar um de nossos principais objetivos da viajem: A estrada da morte!
Ruta de La Muerte
Chegado o grande dia, acordamos cedo, por volta das 5h, pegamos nossas motos, gps carregado, muita roupa pois estava quase zero grau e saímos em direção a estrada da morte. A saída de La Paz foi rápida dessa vez pois ao contrário da chegada quase não havia vans pelo caminho.
Até nos distanciarmos da cidade, o visual era muito feio e pobre, sem nenhum atrativo visual que pudesse chamar a atenção de qualquer turista...
Após alguns kilometros da cidade, começamos a entrar no meio da selva boliviana, numa estrada asfaltada ladeada por altas montanhas verdes com curvas acentuadas em muitas subidas e descidas. Nenhuma placa indicava a estrada da morte ou "Camiño de los Yungas", nome este da estrada que levava ao povo que morava no meio da selva e fim da famosa estrada. Sabíamos que deveríamos chegar até um ponto que apontava em um mapa que havíamos pego em uma loja de turismo de aventura perto de nosso hotel.
A sinalização não era das melhores na estrada e de repente avistamos várias camionetas cheias de bicicletas perto de um grande lago ladeado por montanhas de areia junto a estrada. Paramos para trocar uma idéia e descobrimos que todos também iriam para a estrada da morte. Pegamos algumas informações e saímos na frente para não termos que andar junto com aqueles 20 ou 30 ciclistas.

Nenhuma informação pela estrada até que avistamos uma pequena placa do lado de dentro da mureta da estrada onde estávamos. Nela a menção da famosa Death Road. Uma pequena trilha escondida que ia rumo ao meio da selva sem nenhum alarde, passando despercebida para os que passavam pela estrada nova que a substituiu e a deixou com o título de rota turística. Isso mesmo. Hoje a velha estrada da morte virou um parque de rota obrigatória aos turistas que não dispensam uma aventura com muita adrenalina.

Não vou detalhar muito sobre a estrada que o próprio nome já fala tudo. A estrada ladeia grandes montanhas e precipícios de tirar o fôlego dos mais experientes aventureiros do planeta. Passando por debaixo de cachoeiras que cobrem parte da trilha que por vezes é tão estreita que te faz suar frio e respirar fundo antes de apertar o acelerador e soltar a embreagem, por dentro de rios e por lamaçais onde você não acreditaria que venceria, segue a estrada da morte até o povoado de Yolossa. Neste ponto você pode decidir em continuar mais um trecho até Coroico, cidade que fica no final da trilha, ou desviar para Yolossita, outro povoado que te permite encontrar o início do asfalto e voltar a La Paz.

Um fator importante de todo o trecho e que deve ser observado é que saímos de La Paz a zero grau e chegamos ao final da estrada da morte a quase trinta graus. Como fomos tirando as jaquetas e acessórios no caminho, iniciamos o retorno com pouco agasalho e no meio do caminho fomos surpreendidos por uma chuva gelada que fez a temperatura despencar em poucos kilometros. Continuamos na chuva com a esperança de que logo cessasse e o sol aparecesse novamente. Foi o maior erro, A temperatura caiu muito e estávamos todos molhados. Quando paramos para colocar as capas de chuva, não tinha mais volta. Estávamos congelando e tivemos que aguentar isso por mais algumas horas até retornarmos ao hotel. Sofremos um pouco, mas isso nos faz entender melhor nossos limites.
Salar de Uyuni
Como teríamos um longo trajeto pela frente e sabíamos que a estrada poderia apresentar surpresas como já havia acontecido antes, saímos de La Paz antes do sol nascer. A temperatura era de Zero grau e mesmo com todos os agasalhos e proteções, passamos muito frio com uma forte neblina que nos limitava a visão a poucos metros a frente das motos. Frio, neblina e para completar começa uma garoa que mostrava que o dia não seria nada fácil...
Alguns kilometros a frente tivemos uma agradável surpresa quando a neblina foi invadida por alguns raios de sol mostrando que a estrada a nossa frente poderia melhorar bastante. E não poderia ter sido melhor. O sol apareceu e começou a esquentar nossos corpos, mudando totalmente o cenário e tornando a viagem mais agradável.
O trajeto estava indo bem. Passamos por Oruro e sabíamos que logo a diante, na cidade de Huari, teríamos que fazer um desvio até Potosí para fugirmos de uma estrada de areia que seria a única alternativa direta para Uyuni.

A melhor surpresa da viagem foi quando chegamos a Huari e descobrimos que a tal estrada de areia havia sido asfaltada e recém inaugurada a menos de 60 dias. Foi o êxtase da viagem. Uma estrada semi deserta com um asfalto novíssimo que nos levaria direto a Uyuni sem desvios.

Com isto, chegamos ao destino ainda no meio da tarde o que nos deu um belo ganho de tempo para procurar uma boa hospedagem e conhecer um pouco o centrinho da cidade de Uyuni, que na verdade não passa de uma rua principal com várias hospedarias e restaurantes para os turistas de inúmeras nacionalidades que chegavam por ali.
Depois de algumas informações resolvemos voltar cerca de 30 km e ficar hospedados dentro do Salar em um dos vários hotéis de sal que existem por la.
Deixamos nossas motos no estacionamento e após entrarmos no hotel, aproveitamos o resto do dia para relaxar tomando umas cervejas e planejando o dia seguinte.

Acordamos cedo, pegamos nossas motos e fomos Salar adentro. São milhares de kilometros sob uma camada de sal. Chega a um ponto onde o chão se confunde com o céu. Se você não tiver conhecimento do lugar é melhor não se arriscar até muito longe, pois é fácil perder a noção de localidade e se perder. Rodamos bastante e depois de boas fotos, retornamos ao hotel onde pegaríamos um carro off road com um guia que nos levaria mais longe para que pudéssemos conhecer um pouco mais daquele lugar de cenário que tirava o fôlego de qualquer um.

Com o guia pudemos conhecer o monumento do rally Dakar, o museu do Salar onde almoçamos em bancos e mesas de sal junto com outras dezenas de turistas. Cada grupo tinha o seu espaço e o próprio guia que preparava o almoço. Depois fomos mais adentro até uma ilha onde pudemos subir no topo de uma colina para deslumbrar um visual de branco infinito e beleza indescritível. Dizem os habitantes do local que a milhares de anos atras, no lugar de todo aquele sal, havia um oceano.
Humauhaca
No dia seguinte, começamos o retorno para casa. Saímos do Salar de Uyuni após o café da manhã em direção a Potosí. A estrada entre esses dois pontos é sensacional. Belas curvas em meio a montanhas e belos lugares para se ver. De Potosí seguimos direção a Villazon, onde cruzaríamos a fronteira com a Argentina. A alfândega é bem tranquila e se você ainda tiver bolivianos na carteira, só há casa de cambio do lado boliviano. Troque seu dinheiro antes de sair.
Começamos a rodar e quando começou a baixar o sol, estávamos perto da cidade de Humauhaca. Entramos na cidade sem muita expectativa mas nos deparamos com uma pequena cidade charmosa com várias pousadas e pequenos restaurantes onde encontramos o melhor bife de chorizo de toda a viagem.
Salta
No dia seguinte, saímos rumo a Salta. Poucos quilômetros de bom tempo com um cenário de montanhas coloridas belíssimas, começou uma chuva que duraria por todo o caminho. Chegamos cedo em Salta mas estávamos cansados e famintos. Nos hospedamos no hotel Presidente que é bem localizado e nos permitiu conhecer um pouco dos pontos turísticos no centro da cidade. Almoçamos em um dos restaurantes em volta da praça central da cidade e ficamos lagarteando o dia inteiro até chegar a hora da próxima refeição. Jantamos e fomos cedo para a cama, pois precisaríamos descansar devido a previsão do tempo para o dia seguinte que não era nem um pouco animadora.

Corrientes
Rumo a Corrientes, pegamos um pouco de chuva perto de Salta, porém ao chegarmos perto da região do Chaco, a chuva cessou e pudemos rodar pelos quase 600 km de reta sem água na pista.
Chegamos ao destino no final do dia e fomos parar em um hotel cassino de frente para o lago que separa Corrientes de Resistência. Depois de um revigorante banho de piscina de água quente, saímos para jantar. Dessa vez não acertamos a escolha. Fomos a um local bonito mas vazio devido ainda ser muito cedo. Acabamos comendo uma pizza que era a única coisa do cardápio que lembrava mais uma refeição. O resto era só petisco. Voltamos cedo ao hotel e depois de umas cervejas fomos dormir.
Pato Branco
Acordamos cedo e saímos do hotel já com um chuva fraca que foi aumentando de intensidade e nos acompanhou por mais de 500km. Foi um trecho cansativo, daqueles que você quando ultrapassa um carro e vê lá dentro as pessoas quentinhas e com uma musica gostosa, pensa consigo mesmo o que é que você tem na cabeça para estar ali naquele local em cima de uma moto, ensopado e com frio percorrendo mais de 800 km num dia? É uma coisa insana mesmo que não tem explicação e que faríamos tudo novamente na primeira oportunidade. Esse é o espírito da aventura, da paixão pelas duas rodas que nos faz cada vez querer mais...
fizemos a fronteira com o Brasil em Dionisio Cerqueira sem nenhum problema e seguimos a Pato Branco onde uma constelada com cerveja de boas vindas, preparada pelos amigos do Bibo Cartaxo já nos aguardava.
Um pessoal muito acolhedor nos recebeu na cidade e ansiosos, esperavam por nossas histórias sobre a viagem. Tivemos uma excelente recepção mas logo o cansaço começou a nos pegar avisando que nossas baterias precisavam ser recarregadas.
Fomos para o hotel e nos despedimos do Bibo Cartaxo que neste ponto encerrava sua aventura. No dia seguinte, eu e Bibo kauffman terminamos a nossa parte retornando até a nossa cidade de Curitiba.
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